Carta Extraviada...
Não sei por onde começar esta carta que já nasce atrasada,
pensamos sempre que temos muito a dizer mas as palavras são pouco
amistosas, onde encontrá-las agora, às três e dez de uma madrugada em
que me encontro insone e pensando mais uma vez em você?
Você esperou
por estas palavras por muitos meses, na esperança de que elas
aliviariam a dor do seu coração, mas elas não vieram porque
estavam ocupadas vigiando meus impulsos, me impedindo de me abrir, e
minha própria dor lhe pareceu desatenção, eu que não durmo de tanta
paixão congestionada, de tanto desejo represado, de tão só que estou.
Meus motivos sempre lhe pareceram egoístas, e se eu lhe disser que o
descaso aparente foi na verdade uma atitude consciente para preservar
você, me chamarás de altruísta e não sairemos do mesmo lugar.
Eu
errei por não permitir que você me oferecesse seu afeto, eu errei ao
sobre valorizar um risco imaginário, eu errei por achar que existem
amores menores e maiores, avaliados pelo tempo investido, pela contagem
dos beijos, pelas ausências sentidas, por tudo isto fui conduzido a um
erro de cálculo.
Não te peço nada além de compreensão, e esta carta
nem era para pedir, mas para doar, eu que sempre me achei bom nessas
coisas, o voluntário da paz, o boa-gente oficial da minha turma. Mas
peço: lembre de mim como alguém que alcançou a mesma medida do seu
sentimento, a mesma profundidade das suas dúvidas, o mesmo embaraço
diante da novidade, o mesmo cansaço da luta, a mesma saudade.
A
carta vem tarde e redigida com palavras covardes, as corajosas repousam
pois se imaginam já ditas e escritas, valentes foram as palavras do
início, as desbravadoras, as que ultrapassaram limites, quando nós dois
ainda não sabíamos do que elas eram capazes, palavras audazes, febris.
Pela enormidade de tempo que temos pela frente em que não nos veremos
mais, não nos tocaremos ou ouviremos a voz um do outro, pela quantidade
de dias em que conduzirás tu vida longe de mim e eu de ti, pela
imensidão da nos descrença, pela perseverança da nossa solidão, pelos
nãos todos que te falei, pelo pouco que houve de sim, acredita: te amei
além do possível, não te amei menos que a mim.